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Depoimentos

Tenho sido chamado frequentemente para dar depoimentos sobre o meu trabalho como roteirista do programa Castelo Ratimbum e outros da TV Cultura em geral, por alunos de Faculdades de Comunicações que escolhem esse tema para os seus TCCs. Resolvi adicionar no site, para facilitar futuras consultas, dois depoimentos escritos que resumem bem a minha participação no processo destes programas. Ainda mais por conta dos 20 anos do Castelo, feitos em maio de 2014 e do grande sucesso da exposição no MIS. 

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DEPOIMENTO 1

 

Para falar do Castelo Ratimbum, talvez seja necessário lembrar um pouco o programa Ratimbum, que o antecedeu em três ou quatro anos, e cujo sucesso fez com que a TV Cultura quisesse dar continuidade à ideia.

Na TV Cultura já se fazia programas infanto-juvenis de ótima qualidade como Bambalalão, Cata-Vento, Revistinha, até que, na época em que o Roberto Muylaert estava na presidência se resolveu tentar um projeto mais arrojado. A direção deste projeto foi dada para o Fernando Meirelles, (hoje o famoso diretor da Cidade de Deus). A parte dos roteiros ficou sob o encargo do Flávio de Souza, que já era roteirista da casa há um bom tempo.

Mas como esse programa teria uma produção muito maior do que a dos anteriores, com inúmeros quadros, Flávio resolveu formar uma equipe de roteiristas, da qual participaram Cláudia Dalla Verde e eu mesmo, que já tinha sido colega do Flávio no grupo Pod Minoga, nos anos 70, em São Paulo. Havia também naquela época na TV Cultura toda uma produção já bem afinada com os programas dessa faixa etária, que acabaram depois tomando parte do próprio Castelo.

O primeiro Ratimbum foi um grande sucesso e marcou época. O sucesso do Castelo empalideceu um pouco a lembrança daquele primeiro projeto, mas é necessário recordar que ele ganhou muitos prêmios, inclusive uma Medalha de Ouro no Festival de Nova York, o que causou uma impressão grande dentro da emissora, pois a TV Cultura ainda não tinha realizado algo naquelas proporções. O programa, todo feito em forma de quadros, foi também uma injeção na programação infanto-juvenil da televisão daquele tempo, que vinha de formatos estereotipados, como o Balão Mágico, Xuxa, Angélica, entre outros.

O sucesso foi tão grande que o Roberto Muylaert quis repetir a dose e numa escala maior.

O fato é que alguns anos depois, em 1992, fui chamado para escrever um roteiro de um projeto intitulado Fazenda Ratimbum, que aproveitava inclusive alguns personagens do primeiro Ratimbum. Tudo se passaria dentro de um cenário rural. Cheguei a enviar o roteiro, mas como não houve resposta, achei que o projeto tinha gorado.

Afinal, no início de 1993, fui novamente chamado para trabalhar como roteirista do Castelo Ratimbum, agora já definido e com a emissora totalmente fechada na realização deste programa que foi entregue nas mãos do diretor Cao Hamburger, e com quem eu havia colaborado antes como roteirista de um quadro intitulado “Os urbanóides”.

Já na primeira reunião que participei, logo após as festas de fim de ano, a Beth Carmona, que era diretora da TV Cultura, chamou todos os envolvidos (cenário, figurino, produção, etc), anunciando com grande entusiasmo que aquele seria “O” projeto da emissora, deixando claro que o mesmo se iniciava sob uma grande expectativa, principalmente por causa do sucesso do seu predecessor. O primeiro foco foi para o cenário, que deveria ser a pièce-de-resistance, por assim dizer, do programa. De fato, a cenografia se constituiu num dos pontos fortes, servindo mesmo como ponto de partida para criação de situações, que podiam se dar em várias áreas de Castelo, desde a sala principal, com a árvore e a escadaria, até a cozinha, a biblioteca, a oficina, a sala da lareira, etc.

Portanto, quando eu cheguei para escrever, o programa já estava formatado em seus principais personagens e situações. De qualquer modo, naquela primeira reunião eu era o único roteirista. O Flávio havia sido contratado, se bem me recordo, para fazer uma novela no SBT. Por alguma razão houve alguma demora em se chamar a Cláudia, que havia sido uma das principais roteiristas do primeiro Ratimbum. Talvez fosse por ela estar trabalhando juntamente com o Flávio no SBT. Quando o Cao me perguntou sobre que outros roteiristas deviam ser chamados, falei imediatamente da Cláudia. Mas foram chamados antes o Bosco Brasil e o Mário Teixeira que, comigo, formaram a equipe inicial de roteiristas do programa. Nós trabalhávamos diretamente com o Cao, com a Ana Muylaert e com a Bia Rosemberg, para iniciar o processo de roteirização que seria difícil pelos motivos que explicarei mais adiante. Mas depois de alguns meses Bosco e Mário, deixaram o programa. A Ana também deixou o Castelo para tocar um projeto pessoal dentro da própria TV Cultura. Insisti mais com o Cao para que a Cláudia, que é uma das melhores roteiristas na área infanto-juvenil fosse contratada, o que acabou acontecendo afinal.

 

Apesar de o programa estar formatado em sua ideia central e com os personagens caracterizados, havia muita coisa por definir ainda, o que só poderia acontecer se escrevendo roteiros. Creio que uma das primeiras dúvidas foi a de que se deveria se seguir o esquema de quadros soltos, que havia funcionado tão bem no primeiro Ratimbum, ou partir para alguma coisa mais dramatúrgica, mais construída, por assim dizer. Desde logo se definiu que deveria haver uma mistura das duas coisas: haveria quadros, pré-gravados, conectados de pontos específicos do cenário: cozinha, biblioteca, etc. Mas também haveria uma pequena história que se passaria com o Nino e com as crianças que viriam visitá-lo em bases diárias. Além dos quatro, cada dia teria um personagem para participar da trama: Bongô, Dr. Abobrinha, a Caipora, Penélope e Etevaldo, um para cada dia da semana.

Mesmo aí ainda havia uma dúvida: as histórias deveriam muito amarradas, com conflito e tudo, ou apenas situações divertidas e sem grandes compromissos com amarração, mais uma espécie de brincadeira entre Nino e seus convidados, uma pequena situação na cozinha, depois outra diferente na sala, etc?

Recordo que o Cao Hamburger, num primeiro momento, estava tendendo para esta solução mais leve, por assim, dizer. Foram feitos alguns roteiros com esta direção, mas acredito que se viu que o programa parecia um tanto diluído, sem uma espinha dorsal definida. Cao mesmo foi direcionando o programa na direção para a forma que acabou vingando: uma situação geral que se daria entre Nino, as crianças e o visitante do dia, situação que se estenderia pelo programa, entremeada pelos quadros diversos que eram pré-gravados. Assim havia que se escrever a história central por um lado e os quadros por outro. Isto serviria também para a produção e para o esquema das gravações.


Ficou resolvido que, além de escrever alguns quadros, eu faria a história central, porque já estava dentro do processo há alguns meses e a Cláudia, que estava chegando, seria a responsável pelos quadros, como a Morgana, o Mau, e outros. Antes de escrever a história era necessário elaborar uma escaleta das cenas, pois o programa, com tantos cenários e quadros diferentes se revelou um verdadeiro quebra-cabeça dramatúrgico. A vantagem da escaleta era que ela recebia uma aprovação e assim, iniciava-se o roteiro com certa margem de segurança, o que impedia de se jogar um roteiro inteiro fora: era mais fácil fazer outra escaleta. As escaletas tornaram-se muito importante naquele processo e muitas vezes eu acabei achando mais difícil elaborar escaletas do que fazer o texto propriamente dito.

 

Havia algumas dificuldades a serem vencidas: a primeira era de que nós tínhamos a princípio apenas um vilão, o Dr. Abobrinha. Todos os demais personagens eram amigos e simpáticos, gente “do bem”. E como o Dr. Abobrinha só vinha uma vez por semana, nos outros dias era necessário usar bastante imaginação para criação de conflitos pelo Castelo. Isto foi agravado pelo seguinte: como os custos com o programa deviam estar altos, por causa do cenário, dos bonecos e de tudo o que envolvia aquela grande produção, foi baixada uma ordem de que não deveria ser usado nenhum personagem a mais do que os que já estavam no elenco. Isto é, eu não poderia criar um convidado especial para esquentar uma trama. Se era dia do Bongô, apenas ele, as crianças, o Nino e o dr. Victor poderiam fazer da história, sendo que a participação do dr. Victor era apenas no início e no fim dos programas. Depois isso mudou e foi possível incluir novas participações, mas as tramas feitas nos primeiros programas seguiram fielmente esta orientação explícita.

Outra dificuldade que teve de ser vencida com muita imaginação foi a relação orgânica entre os quadros e a situação que se dava no Castelo com o Nino.

Como os quadros eram necessariamente pré-gravados, muitas vezes não tinham relação de conteúdo com a trama do programa. A questão é que cada quadro era “linkado” de um aposento específico do Castelo. Tinha as marionetes que eram linkadas da lareira de uma sala, outro na cozinha, outro na oficina e assim por diante.

Isto exigia uma verdadeira ginástica mental, pois como havia uns seis quadros por programa, a trama tinha que sofrer verdadeiras acrobacias para que os personagens fossem parar num determinado aposento e linkassem um quadro. E também havia que se inventar uma motivação para isso, que muitas vezes não tinha a ver com o que estava de fato acontecendo. Por isso, a importância das escaletas foi muito grande. Era nelas que se estruturava a dramaturgia e os pontos onde a ação deveria ser interrompida para a entrada dos quadros.

Foi um processo árduo de pesquisa de uma linguagem para o programa, que acabou, creio eu, sendo recompensada pelo resultado final. Houve um momento em que o Cao estava ainda insatisfeito com os roteiros e chamou de volta a Ana Muylaert para repensar cada um deles. A partir daí muitos roteiros foram remexidos, mas todos foram aproveitados com suas ideias originais.

Para se ter uma noção dos cuidados que foram tomados em todos os sentidos, a primeira reunião do Castelo, que participei, se deu no comecinho de 1993 e o programa foi para o ar apenas em meados de 1994, creio que Maio. Tal realidade seria mais difícil, é claro, numa televisão comercial, ou pelo menos mais cheia de entraves.

Apesar de todas as dificuldades o processo foi muito intenso e exigiu muita criatividade por parte de todos. Além de trabalhar nesta questão da roteirização, colaborei com alguns detalhes para a construção dos personagens, como a quadrinha que o relógio recita todos os dias, ou o nome Pompeu Pompílio Pomposo, que inventei como o nome real do Dr. Abobrinha, o apelido que Nino e as crianças lhe davam. Também usei um personagem meu, o capitão Baleia, para num episódio. Enfim, havia espaço para contribuições, pois a grande quantidade de episódios nos obrigava a usar todos os recursos disponíveis.

 

Escrevi grande parte dos roteiros do Castelo, principalmente na parte inicial.  Na fase final não escrevi tanto, por motivos particulares, uma vez que meu pai ficou muito adoentado e eu precisei fazer um acompanhamento muito próximo. Ainda assim, continuei colaborando, principalmente na feitura de escaletas, pelo fato de estar bem acostumado com elas. Acontece que na fase final, o Flávio de Souza voltou a escrever para o programa, assim como a Ana Muylaert e a Cláudia dalla Verde, que passou a roteirizar também a trama do programa e o Castelo passou a ter vários roteiristas. Uma coisa boa dessa época, como disse anteriormente, é que foi liberado o uso de mais personagens. Assim o roteirista podia inventar uma história com personagens que aparecessem apenas naquele episódio, o que facilitava bem para a criação de tramas. Nesta fase, muitas vezes, eu recebia a sinopse de histórias criadas pelos demais roteiristas e fazia uma escaleta, tentando linkar a trama deles o melhor possível com os quadros pré-gravados. Depois devolvia para o roteirista fazer o roteiro final com os diálogos, etc.

A partir deste ponto já haviam vários programas gravados e todos que assistiam na emissora ficavam entusiasmados com o resultado, deixando entrever o sucesso que o programa teria depois da sua estreia oficial. O que de fato se deu, transformando-se no principal programa infanto-juvenil feito naquela década, um prestígio que permanece até hoje. O Castelo chegou a ganhar a medalha de Prata, no Festival de Nova York, além de diversos outros prêmios.

 

Depois do Castelo, houve não sei por quais motivos um hiato na TV Cultura. Cheguei por um breve momento a fazer alguns Glub-Glubs, uma ideia do Fernando Meirelles, mas que acabou apenas servindo como cabeças para apresentar desenhos animados.

Muitos anos depois, foi sentida a necessidade de dar continuidade à saga Ratimbum. Soube que o próprio Cao pensava em fazer um Planeta Ratimbum, mas acabou desistindo. A Ana Muylaert, que chefiava os roteiros do Disney Club, e trabalhava comigo e com a Cláudia, nos chamou para participar da Ilha Ratimbum. Chegamos a fazer algumas reuniões e roteiros para a Ilha, mas a própria Ana não quis prosseguir e o projeto foi desativado na época. Foi retomado, mais para frente, mas não tomei parte como roteirista deste programa.

Em compensação, fiz parte da equipe que formatou o programa Cocoricó, um fruto ainda desta preocupação com a qualidade da programação infanto-juvenil, que sempre esteve presente na emissora. Fui o roteirista da primeira temporada, ainda com a Cláudia, e depois colaborei em várias outras, e o programa, apesar de não possuir o aspecto de superprodução do Castelo, e visar uma faixa etária menor (dois a quatro anos), herdou do Castelo e dos programas que o antecederam um público que tinha uma fidelidade com a TV Cultura, por causa mesmo dessas produções bem cuidadas que se transformou numa marca. O Cocoricó, ainda que numa escala menor, ganhou muitos prêmios e é considerado um dos melhores programas infantis da televisão, herdeiro natural de toda aquela saga.

DEPOIMENTO 2 - SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA

 

O primeiro Rátimbum foi um processo tranquilo, embora trabalhoso. Os quadros eram discutidos pelo Flávio e pelo Fernando. Por fim, o Flávio passava para Cláudia e para mim as orientações gerais. Nós dividíamos por três todos os briefings e trabalhávamos por lote: cada vez um personagem dependendo da urgência do Fernando. Tinhamos também que levar em conta os conteúdos pedagógicos. Cada quadro tinha o seu e se eles não ficassem bem evidentes, quer dizer, se eles desaparecessem em função do humor o quadro poderia ser cortado. O Fernando muitas vezes tinha de fazer um meio de campo com a equipe pedagógica.

 

Mas O Senta que lá vem História, tinha esse aspecto lúdico de contar uma história inteira de um modo sintético, o que era divertido. Gostávamos muito de fazer estes quadros pois eram menos mecânicos, no sentido de cada história poder ser diferente. De fato, a partir de um certo ponto a coisa foi ficando mais e mais difícil. Lembro de um dia ter telefonado para a Cláudia em desespero e dizer: estou adaptando Shakespeare! Ela morreu de rir, porque naquele ponto qualquer ideia era levada em conta, desde que fosse criativa. E eu fiz mesmo o Sonho de uma noite de verão em um minuto!  Adaptávamos contos de fada, como a Chapéuzinho Vermelho, faziamos crônica urbana, como a família que vai para a praia de férias. E também inventávamos nossas próprias histórias originais, é claro. 

 

Fiz muitas, mas de fato já lá se vão mais de duas décadas e é difícil lembrar de todas. Duas delas eu gostei muito de fazer e também foram muito elogiadas pelo Fernando Meirelles: o Futebol de Palhaços e Búúúú! . As duas ficaram boas, com direções bem criativas. 

 

Mas no geral a coisa corria bem porque havia uma afinação grande entre nós roteiristas. Assim, procurávamos ter ideias durante as reuniões para saírmos municiados. E deu certo, pois se não me engano, o material desenvolvido deu para gravar muito mais quadros do que a previsão inicial.

SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO DOS ROTEIROS PARA O CASTELO RATIMBUM

 

Como eu disse no primeiro depoimento, os roteiros do Castelo necessitavam de uma boa dose de planejamento, em função dos muitos quadros. Em geral, primeiramente era produzida uma SINOPSE, que era um resumo do enredo em linhas rápidas, a ideia, enfim, para o programa. Uma vez aprovada a SINOPSE, fazia-se uma ESCALETA, onde a história ja era desenvolvida cena por cena, mostrando os pontos onde se linkariam os quadros. A partir da ESCALETA aprovada podia-se desenvolver o ROTEIRO propriamente dito, respeitando a sequencia sugerida. Depois o ROTEIRO era analisado e reescrito conforme a necessidade.

Deixo aqui para efeito de futuras pesquisas sobre o tema alguns arquivos em PDF, com ROTEIRO, ESCALETA, SINOPSE e alguns QUADROS:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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