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Uma formação multidisciplinar

Em algumas escolas em que vou falar sobre um livro meu adotado, os alunos me perguntam sobre o fato de atuar em diversas áreas como desenho e literatura.  E é complicado explicar rapidamente (ou até mesmo num currículo formal) como se deu essa formação que foi um misto de formalidade e informalidade. Antes de qualquer coisa talvez seja apropriado enquadrar essa formação no contexto de um tempo muito específico que foi o fim dos anos 1960 e toda década seguinte de 1970, uma época de experimentalismo, de perda de contorno rígido entre linguagens, quando as quartas paredes dos teatros foram literalmente postas abaixo, com tudo o que isso implica.

 

Formação caseira

 

As minhas primeiras informações no campo das artes se deram em casa mesmo, pois meus pais foram atores desde a era do rádio, nos anos 1940, integrando a geração pioneira da televisão, ainda no tempo pré-vídeo-tape, quando teleteatros eram produzidos ao vivo, e os poucos que tinham um aparelho em casa viam Shakespeare em tempo real. Por isso, além de atores eles faziam adaptações e, no caso de meu pai, dirigiam. Assim, cresci com uma boa biblioteca na sala, repleta de títulos de escritores nacionais e internacionais, além de magazines de mistério como a Ellery Queen que trazia autores policiais renomados. Comecei a ler bem cedo por conta de ver os dois lendo muito e batucando a Olivetti na mesa da cozinha, adaptando este ou aquele conto. E eu adquiri o gosto por escrever também.

Contudo, além de literatura, havia igualmente muitos livros de arte repletos de imagens de Goya, Rembrandt, Picasso e outros. Como qualquer criança, gostava bastante de desenhar e certa vez a atriz Débora Duarte, filha do Lima Duarte e que era nossa vizinha de parede, me deu uma tela de pintura e emprestou suas tintas. Ela estava pintando diletantemente e, gostando de um desenho que fiz com lápis de cor, sugeriu que eu o reproduzisse com tinta a óleo. Como resultado daquela experiência, meus pais resolveram me matricular numa escola de arte.

 

A Fundação Armando Álvares Penteado

 

Hoje mais conhecida como FAAP, a Fundação Armando Álvares Penteado passou a realizar em meados dos anos 1960 uma série de cursos livres, antes mesmo de abrir as portas da Faculdade de Artes Plásticas. Havia já o Museu e artistas de renome como Darel, Grassman e Gruber, ministravam cursos de gravura. Entre esses cursos havia um Curso de Pintura para Adolescentes, no qual fui matriculado juntamente com meu irmão Noel. E esse curso possibilitava também uma extensão nas aulas de Teatro, dadas pelo Naum Alves de Souza. Assim, iniciou-se já em 1967 essa formação que se abria para várias vertentes, muitas vezes misturando-as de um modo bem experimental, como foi o caso do Studio Pod Minoga que se originou daquela época, resultado das aulas do Naum. Um pouco mais tarde, nos anos 1970, voltei para a FAAP aonde fiz a Faculdade de Artes Plásticas.

 

 

O Studio Pod Minoga

 

A Fundação acabou por encerrar o curso de artes para adolescentes no final dos anos 1960 e abriu-se um hiato, pois o grupo de alunos queria prosseguir o trabalho em volta do Naum. Este, além de aspirante a dramaturgo e diretor, era também um artista plástico, desenhista e pintor, e interessado em bonecos (puppets). Aliás, foi ele o responsável pela construção do Garibaldo e dos demais bonecos da primeira versão do programa Vila Sésamo no Brasil. Essa postura multidisciplinar do Naum acabou por se refletir não somente em mim, como em todos os demais integrantes do grupo que, durante a vida profissional sempre exerceram diversas atividades no campo das artes.

Assim, a casa do Naum numa travessa da Rua Mato Grosso, bem atrás do cemitério da Consolação, foi transformada num pequeno atelier, com direito a um teatro com cerca quinze lugares (!). Ali continuamos aquela pesquisa de linguagem em que se mesclavam artes cênicas e visuais. Fizemos duas montagens nas quais além de atuar como atores, participávamos do roteiro, do cenário, dos figurinos, da trilha sonora, buscando um resultado integrado e experimental. A segunda peça, Júlia Pastrana, história de uma mulher barbada de circo foi tão ousada para a época que atraiu um público de gente de teatro, como Zé Celso Martinez Correa e Antunes Filho. Era 1971 e a década se bifurcava entre desregramento e autoritarismo. Nós éramos apenas jovens de classe média, com boa dose de ingenuidade, mas com vontade de fazer um trabalho de vanguarda artística.

Depois de certo tempo, foi impossível continuar naquela casa e acabamos ficando sem lugar, prosseguindo o trabalho de modo improvisado nas casas dos integrantes, como na de meus pais, por exemplo. Em 1972, o grupo em torno do Naum estava a ponto de se dissolver, de modo que foi necessário achar novamente um local que agregasse todos numa atividade comum. Acabamos descobrindo um galpão velho, de uma antiga funilaria na Rua Oscar Freire, que se tornou nosso forte. Foi batizado de Studio Pod Minoga, por causa de um romance polonês que havia na casa da Mira Haar, uma das integrantes do grupo, intitulado Café Pod Minoga e que intrigava todo mundo. Como desejávamos um nome estranho que não fosse muito programático e refletisse esse aspecto inesperado, para dizer o mínimo, daquela nossa atividade, achamos que esse viria a calhar. O grupo inicial era formado pelo Naum, pela Mira Haar, pelo Carlos Moreno, pelo Flávio de Souza e por mim. Depois muitas pessoas acabaram entrando e enriquecendo o trabalho que durou uns oito anos.

Assim, durante toda aquela frenética década de 1970, continuamos no que se poderia chamar de “pesquisa de linguagem”, fazendo montagens experimentais, exposições de arte, bonecos, cenários, vitrines de lojas, decoração de cafés e absorvendo tudo o que São Paulo podia oferecer na forma de cinema, teatro, livrarias, loja de artes, de discos, assimilando desde alta cultura até bugigangas da Rua 25 de Março. Era uma mistura bem eclética e pop do mundo de informações e de transformações artísticas que davam o tom daquele tempo. Com certeza, mergulhamos fundo nessa multidisciplinaridade, que foi devidamente documentada num livro que o Carlos Moreno batalhou muito para publicar, editado pela editora do SESC, intitulado Pod Minoga: a arte de brincar no palco.

 

Educação Formal

 

Simultaneamente a esta atividade toda, também acabei fazendo alguns cursos formais, com direito a certificado e diploma. Depois de terminar aos trancos e barrancos o que na época se chamava Colegial, fiz um curso de dois anos de Fotografia na Escola Panamericana de Artes e cheguei a trabalhar durante algum tempo como fotógrafo laboratorista na TV Cultura, ainda no início dessa emissora, isso lá pelos idos de 1971. Revelava fotos do jornalismo e saí algumas vezes para fazer trabalho de campo fotografando material para documentação. Embora não tenha prosseguido nessa carreira sempre usei a fotografia para documentar, como no caso recente dos Sobrados do Sumaré, uma reportagem sobre a verticalização do meu bairro.

Em seguida comecei a cursar a Faculdade de Artes Plásticas ali mesmo onde havia feito o curso de pintura para adolescentes, a FAAP e que possuía também um currículo bem multidisciplinar, com aulas de Fotografia, Gravura, Pintura, Desenho, Teatro, Escultura, Cerâmica, História da Arte e muitas outras. Afinal o conceitualismo que passou a dominar as artes plásticas, borrava cada vez mais os contornos definidos e a Faculdade fornecia a possibilidade de interação com diversas linguagens. Consegui me diplomar e por causa disso, pude por muito tempo, dar aulas de artes e teatro em diversas escolas. Juntamente com Tatiana Nogueira e Paula Palhares, abri uma pequena escola de artes em Perdizes, chamada Casa do Sol, que funcionou durante os anos de 1980.

 

Os livros

 

Durante todo esse tempo, sempre escrevi. Tinha uma gaveta cheia de textos ainda inacabados, com ideias que fui elaborando através dos anos. Em 1977 publiquei o meu primeiro livro de textos e desenhos, chamado A Criação das Criaturas. Naquele tempo a literatura infanto- juvenil brasileira estava começando a deslanchar para essa atividade surpreendente que vemos hoje em dia. Publiquei e ilustrei algumas histórias na revista Recreio, levado pelo Claudio de Souza, pai do Flávio. Essa revista da Abril, editada pela Sonia Robatto, teve uma grande importância histórica, pois em suas páginas começaram muitos autores como Ruth Rocha e Ana Maria Machado entre outros.

De toda essa formação multidisciplinar e experimental, herdada dos anos de formação, algumas coisas foram naturalmente ficando pelo caminho. Na época do Pod Minoga fazíamos tudo, desde trabalhar como atores, diretores, cenógrafos, figurinistas, etc, etc. Com o tempo fiquei mais centrado em algumas áreas, como escrever e desenhar. Embora meu livro A Flauta Mágica, tenha sido adaptada para o teatro em 2007, não cheguei a fazer parte da montagem, nem da adaptação.  Tenho atuado como autor de livros adultos e infanto-juvenis, como roteirista e também na área visual, algumas vezes ilustrando alguns livros meus e também pintando, uma paixão herdada dos tempos de adolescente.

Gravados Digitais

Tenho ultimamente realizado também uma produção visual bastante extensa, que chamo de Gravados Digitais, porque as imagens são elaboradas em programas digitais e para serme vistas precisamente em suportes digitais como as telas dos smarthfones, tablets, laptops e computadores em geral.  Nelas exploro bastante as possibilidades cromáticas digitais como o modo RGB. Um exemplo desses trabalhos, pode ser visto cliclando no link: URB&ORB

Outros estão expostos nas minhas páginas do Flickr e do Instagram.

 

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