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Dionisio Jacob

 

A espada e o novelo

Edições SM - Coleção Comboio de corda

Prêmio Orígenes Lessa / FNLIJ - 2010 (menção altamente recomendável)

“Se tenho de morrer, que seja contando minhas histórias.”

As palavras do velho Laodemo, protagonista deste A espada e o novelo, descortinam uma verdade fundamental: a morte não detém a transmissão das histórias. Tal poder, no entanto, depende de um esforço coletivo e continuado, pois o que mantém vivos os mitos é o trabalho de contá-los de geração em geração.

Laodemo é um elo dessa cadeia. Na condição de moribundo, investido da autoridade da morte, ele concorre para a eternidade da narrativa. Por sua voz, adentramos em uma atmosfera repleta de aventuras e desventuras. Bom contador que é, ele sabe que a jornada do herói não é uma história “dos outros”, não diz respeito a seres distantes, antes retira sua força do fato de os ouvintes se espelharem nas personagens do relato. Por isso todos são um pouco Jasão, Héracles, Teseu, Apolo, Zeus, Afrodite etc. Por isso também Laodemo tem a idade das façanhas que rememora.

Outra qualidade que perpassa a narrativa do eloquente ancião é o domínio de um artifício que, séculos mais tarde, faria sucesso nas exposições noturnas da famosa Xerazade: a técnica de desentranhar histórias de histórias. Como aquelas bonecas russas (matrioshkas) que se saem umas de dentro das outras, os mitos saltam das páginas e nos envolvem de tal maneira que até podemos sentir o cheiro do mar que os Argonautas navegaram em busca do Velocino de Ouro.

Não deixa de ser curioso que o autor deste belíssimo livro tenha nome do deus grego Dionísio, que muito lutou para nascer e que preferiu rodar o mundo a fincar pé no Olimpo. Associado às alegrias do vinho, ele também era conhecido como promotor da civilização e amante da paz.

Por fim, vale dizer que o vaivém entre os mitos evocados por Laodemo e o suspense ante o desfecho de sua própria história (cercado pela curiosidade dos visitantes e amparado pelo carinho da filha Moera e dos netos Cadmo e Ledmo) dá ao leitor um deleite comparado à embriaguez de Ícaro durante o voo. Contudo, à diferença do filho de Dédalo, que despencou no mar quando o sol derreteu-lhe a cera das asas, o calor da atenção dedicada às histórias aqui reunidas nos mantém sempre no alto, sustentados por vozes que não se apagam no fim da página.

 

Ilan Brenman

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